Terça | 20 Outubro 2009
22:00, Sala Suggia
Ana Moura
Ao quarto disco de originais, Ana Moura é considerada uma das melhores fadistas da actualidade. O seu repertório inclui os mais variados temas, do fado mais tradicional ao mais experimental, interpretando também criações dos mais conceituados autores e compositores contemporâneos.
Com três discos editados - aclamados pela crítica nacional e internacional - tem esgotado salas por todos os cantos do mundo e este concerto promete não ser diferente.
25 EUR
Casa da musica
Entrevista com Ana Moura: Para além dos fados
Davide Pinheiro
Depois de «Para Além da Saudade», Ana Moura andou pelo mundo, conheceu Prince e os Rolling Stones e agora está de regresso com «Leva-me Aos Fados», disco que resulta de todas essas vivências.
«Leva-me Aos Fados» não bebe só no fado, pois não?
Cada pessoa tem o seu entendimento do fado. Se isso acontece, não é propositado. Limito-me a escolher os fados e a interpretá-los à minha maneira. Faço parte de uma geração que ouve pop, rock, reggae e até hip hop.
Essas pessoas também têm abertura para o fado...
Exacto! Cada vez os meus concertos têm mais jovens. No final, gosto de falar com as pessoas para perceber quem é que me procura. Há uma geração que vai ver os espectáculos e que já nem é a minha. Tem 14/15 anos. São novíssimos e gostam da minha música.
Mas como explicar esse fenómeno?
O fado tem passado mais na rádio e as pessoas só se podem identificar com aquilo que conhecem. O fado está mais divulgado, especialmente agora com a Internet. Não sou eu que giro o meu MySpace mas de vez em quando vou lá espreitar. Encontro pessoas ligadas ao hard rock. A nova geração - eu incluída - é mais aberta. Por outro lado, os músicos têm outro background. Trazem referências exteriores.
E a comunidade fadista como é que a olha?
No meu caso, tenho sido sempre aceite.
A sua vida mudou muito, não foi? Ainda canta em casas de fado?
Muito. Agora já não canto tanto porque me tornei «atleta de alta competição» e preciso de descansar os músculos. Tem sido um ritmo muito intenso mas sempre que posso vou a uma casa de fados, nem que seja para ver outras pessoas a cantar. Gosto do ritual, da noite, da Tasca do Xico, no Bairro Alto...
É muito diferente de cantar em palcos grandes?
É completamente diferente. Nos palcos grandes, chegamos a mais pessoas. Esse circuito é necessário mas é muito mais difícil recriar o ambiente de uma casa de fado. Aí, é tudo mais espontâneo. Nem sequer se pensa muito no que se vai cantar.
E ainda consegue tirar férias?
Não, mas é urgente. Tenho aí uma semaninha. Já atingi um equilíbrio de forma a poder descansar. Também não gosto muito de estar parada durante muito tempo talvez por me ter habituado a este ritmo frenético. Começo logo a ficar ansiosa.
Que sensações viveu nos últimos dois anos?
Muita alegria, a sensação de me beliscar, pensar que já consegui tudo aquilo a que me propus (obviamente não quero ir já embora), muito cansaço, viagens extenuantes...
Estava à espera de um êxito tão retumbante?
Não, de todo. Isto de ser artista exige cada vez mais um trabalho árduo de marketing e a minha carreira não tem ido muito para aí. É uma surpresa porque não foi uma causa planeada. Tive a sorte de as pessoas ouvirem o meu trabalho e gostarem.
Mas tem uma boa equipa consigo...
Agora, sim. Já tenho uma estrutura maior a trabalhar à minha volta mas nada disto foi procurado.
Como é que o Prince a descobriu?
Ele diz que não se lembra. Contou-me que recebeu uma série de discos e que estava a experimentar uma casa nova com a Chaka Khan. De entre uma série de CDs, escolheu o meu e, segundo me relatou, foi a música certa para o momento certo. Foi surreal. O primeiro contacto foi travado através da agente dele que enviou um mail aos meus agentes na Holanda. Eles reenviaram-me o mail e eu nem queria acreditar. Entretanto, trocámos mails e ele quis ir ver um concerto meu. Acabou por escolher Paris.
Sentiu-se pressionada?
Eu vi-o antes do concerto mas durante tentei abstrair-me. Só reparei nele no final quando ele se foi pôr na lateral. No encore, depois de ver aquela figura de vermelho com uma bengala à espera de entrar no camarim, senti uma pressão enorme (risos).
Ele é pequeno em tamanho mas enorme na aura...
É. É toda uma aura. Nós fomos jantar a um restaurante em Paris e tínhamos uma zona reservada. A música que tocava era moderna e eu senti algum receio, confesso. Ele começou a falar-me do gosto dele mas, felizmente, percebemos que eram muito parecidos. Fiquei contente.
Gravaram?
Trocámos algumas experiências mas não gravámos. Ele esteve cá e tocou algumas das minhas canções ao piano.
A sua perspectiva mudou desde que conheceu esses figurões da pop?
No início da minha carreira, havia várias pessoas que me diziam que os artistas tinham que adoptar uma pose altiva. Eu nem sei explicar muito bem o que era porque não faz parte de mim. Eu sou tímida por natureza mas isso é um traço da minha personalidade. Essas figuras mostraram-se extremamente sinceras e genuínas. Fez-me perceber que a minha luta foi a escolha certa. Eu acho que as pessoas devem ser verdadeiras e não adoptar uma personagem só porque são artistas.
Disse numa entrevista que era vaidosa. É mesmo?
Hoje em dia, a vaidade é tida como uma característica má. Eu acho que ter confiança no que se faz não é mau. Eu sou vaidosa nesse sentido.
A mudança de imagem vem daí?
Foi uma experiência. Eu tenho um cabeleireiro que trato do meu cabelo e eles sugeriram-me esta mudança. Eu aceitei e gostei.
O que é que gostava que o novo álbum lhe trouxesse?
Não sei. Não sou muito de traçar objectivos. O meu sonho é conseguir cantar durante muitos anos. Gostava de poder actuar em salas míticas como o Carnegie Hall e ir a todo o mundo.
Acha que pode chegar a número um?
Eu estou muito confiante. Quando acabei de gravar o «Leva-me aos Fados», eu e a minha equipa fomos compará-lo com o anterior e ficámos muito satisfeitos com o resultado final.
Se tivesse que apontar diferenças, quais seriam?
A maturidade, sem sombra de dúvidas, o que é normal. De disco para disco, de ano para ano, há mudanças. Nem sequer gosto muito de gravar. O estúdio é um espaço frio em que usamos auscultadores. Não é o meu ambiente mas com os anos tenho vindo a combater esse desconforto. Depois, o ter duas guitarras portuguesas que dão uma maior energia ao disco e a participação de compositores que nunca tinha cantado como o José Mário Branco, a Manuela de Freitas e o José Manuel David, dos Gaiteiros de Lisboa. São novas linguagens que resultam da minha experiência com pessoas exteriores ao fado.
Imagina-se a gravar um disco não fadista?
Não sei. Eu sinto-me muito bem no fado. Neste momento, não me imagino mas não gosto de dizer nunca.
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